27 de out. de 2014

UFF: Por um DCE combativo e unido aos movimentos sociais.

O movimento estudantil da UFF viverá um dos momentos mais agitados do ano: a eleição do Diretório Central dos Estudantes, o DCE. Este é um importante instrumento de organização estudantil, que pode ser igualmente relevante para a cidade de Niterói.

A importância de um DCE combativo, que mobilize os estudantes é vital para as lutas destes, dos movimentos sociais, da cidade. O DCE da UFF, por exemplo, cumpriu um importante papel na ocasião da famigerada tragédia do morro do Bumba em 2010, para barrar os cursos pagos na universidade, lutando pelas reais pautas dos estudantes, etc. Entretanto, esta gestão cumpriu um papel inverso: engessando o movimento estudantil, represando a revolta dos estudantes, subserviente a política meritocrática, precarizante, mercadológica do governo para universidade e totalmente a insensível ao grande abismo existente entre a universidade e a classe trabalhadora.

Vivemos na UFF, o que é uma tônica das universidades públicas, os desdobramentos de um projeto político de universidade que está longe de atender as demandas da população, mas sim aos interesses da iniciativa privada. Por isso, vem se organizando a chapa Oposição DCE UFF, que ainda está em construção, feita por estudantes que lutam por um DCE de lutas, mobilizador, que se posiciona a favor de outro projeto de educação oposto ao que está colocado. Além de engajado nas lutas contra a elitização da cidade de Niterói -vide projetos da prefeitura como “calçada limpa” -, o ascenso da violência à mulher, as tentativas de privatizar o hospital universitário, entre outros ataques aos interesses da população. Por isso, estamos organizando diversas atividades para formar a chapa, dialogar com os estudantes e acumular um programa político afim de lutar um DCE que de fato cumpra seu papel e não esteja à serviço do governo federal, da reitoria.


26 de out. de 2014

Nulo, Dilma ou Aécio?*

Democraticamente, há três opções para o trabalhador brasileiro, e o eleitor de forma geral, no segundo turno da eleição presidencial. Uma delas é votar em Dilma Rousseff e no governo social liberal de petistas chapa branca, comunistas de logotipo e os seus aliados de direita e centro-direita. A outra opção é votar no neoliberal e tucano Aécio Neves, com ligações fortes no mercado financeiro, aliado da antiga e nova direita, que promete trazer de volta Armínio Fraga e os tempos de FHC.
Ou simplesmente não votar em nenhum dos dois: se abster ou votar nulo ou em branco.
 
Antigos e novos estalinistas, mas também aqueles que se intitulavam de trotskistas, antes radicais, mas agora cordatos e com bons empregos no Banco Central, chamam de esquerdistas os que se recusam a apoiar Dilma.

Esquecem, deliberadamente, que o então presidente Lula ficou oito anos dos seus dois governos atacando e ridicularizando a esquerda. Não lembram também que, no primeiro turno da eleição presidencial, 30% do eleitorado ou se absteve ou votou nulo ou em branco. De forma atrasada ou não, toda essa gente protestou contra o modelo político do toma lá dá cá, contra a farsa eleitoral, na qual banqueiros, empresários e empreiteiras financiam candidaturas, controlam a eleição e mandam nos governos, antes mesmo do resultado do pleito.

Essa gente não quer admitir que o modelo social liberal de Dilma/Lula está fazendo água. E por isso também o fortalecimento da direita.

Uns dizem que a economista Maria da Conceição Tavares tem razão e que chegamos ao  “fim do desenvolvimentismo e início da democracia social”. E como se tudo estivesse igual dão saudações petistas. De boca cheia.

A crise capitalista internacional está chegando para ficar, a situação econômica se agrava e vai se acentuar a pré-barbárie, com continuidade da matança de pobres e negros nas periferias das cidades.

Ainda não há desemprego no Brasil, mas a taxa de crescimento de novos postos de trabalho é baixa e não dá conta de incorporar milhões de pessoas que chegam ao mercado anualmente.

Sabemos que a política do atual governo federal petista fortalece o capitalismo, o imperialismo, é nociva aos interesses nacionais, à luta pelo socialismo e à conquista do poder operário e popular.

Vença Dilma ou Aécio, virão tempos duros, com medidas ortodoxas, ajuste fiscal e radicalização das políticas de direita, a exemplo da homofobia, manutenção da atual lei do aborto, preconceito, negação das bandeiras feministas, nada de reforma agrária e a não descriminalização da maconha.

Para recompor taxas de lucro, o capitalismo continuará vindo para cima dos trabalhadores, com arrocho salarial e desemprego, acompanhado do aumento da exploração no trabalho. O sonho da casa própria quase inexiste, tornando mais presente o pesadelo dos despejos e reintegrações de posse.

Do total do orçamento previsto para 2015, de R$ 2,86 trilhões, 47,55%, ou R$ 1,36 trilhões, serão para pagamento de juros, amortizações da dívida pública, e vão para os bolsos dos banqueiros.

Enquanto isso, o previsto para o bolsa família é de R$ 27,7 bilhões em 2015, equivalente a 2% do que será gasto com a farra dos financistas nacionais e internacionais.

Das suas três refeições fartas, os capitalistas deixam aos trabalhadores a casca de pão, no chão.

Como disse Millor, a credibilidade do país é inversamente proporcional aos juros que os banqueiros internacionais lhe cobram.

Há muita gente séria entre os que apoiam Dilma (e mesmo entre os que preferem Aécio Neves).

Mas uns fazem negócio da China, outros fraudam a história, se lambuzam com indenizações do “bolsa ditadura”, dão tombo na praça, usam métodos policiais  e  gostam mesmo é de grana.

Partidários de Dilma usam o argumento rebaixado de que voto nulo é defender o quanto pior melhor, e querem apoio na menos pior. Ou seja, na candidata Dilma.

Destacam a adesão de Roberto Amaral ao governo petista e que ele passou a falar que Marina Silva traiu o PSB. Mas quem traiu o partido foi a direção oportunista do partido, ao oferecer a sua barriga de aluguel para gerar a candidatura de Marina. Desde o início estava muito claro, para quem nunca se enganou, que ela continua em busca de um projeto pessoal de poder. Não por acaso está apoiando Aécio Neves.

A menos de uma semana da eleição, a disputa é apenas baixaria burguesa, elogios do passado tornam-se críticas, uma e outro se apresentam como mais capacitados para gerenciar o sistema e a exploração de mulheres e homens. O Superior Tribunal Eleitoral (TSE) tenta coibir os excessos, mas para legitimar a farsa das eleições.

De qualquer forma, o resultado do pleito parece incerto. Com Dilma ou Aécio vem pau. A esquerda revolucionária está enfraquecida, precisa deixar de falar para si mesmo, ampliar sua base social e repetir à exaustão que o socialismo de Karl Marx e Frederick Engels - além de um mundo novo, muito mais humano e sem roubalheira - é superior ao capitalismo, necessitando demonstrar ser mais eficiente econômica e tecnologicamente. E rever criticamente o período de autoritarismo e burocratismo, mas também o doutrinarismo e esquerdismo.

Só assim será possível conquistar milhões de mulheres e homens trabalhadores para a empreita contra o capitalismo. Precisamos nos preparar para lutar peleja dura, prolongada e gestar a alternativa proletária ao sistema capitalista, com o Partido da Classe Operária também liderando o embate.

E como dizia o brilhante Millor: Quem se curva aos opressores mostra a bunda aos oprimidos.

[ A UJC considera infeliz a escolha pelo autor da citação de Millor no texto. Mas, apesar dela, o texto não foi invalidado por conter um teor elucidativo e produtivo para reflexão no período eleitoral. ]

Texto reproduzido de: http://www.correiocidadania.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=10159

Otto Filgueiras é jornalista e está lançando o livro Revolucionários sem rosto, uma história da Ação Popular.

22 de out. de 2014

As armas da crítica e a crítica das armas*


Os meus dias têm sido especialmente alegres ultimamente, com a retomada de uma discussão que muito me agrada: a da necessidade de recuperar os aspectos fundamentais do marxismo-leninismo e de combater, em nome deles, com denodo, contra todas as formas de oportunismo. Agrada-me o tema e enche-me de satisfação ver entre os que promovem essa discussão nomes que aprendi a admirar, como Miguel Urbano Rodrigues e, Carlos Costa . Atrever-me a entabular seja que diálogo for com gente da craveira intelectual e política destes dois nomes é, bem se vê, uma insensata temeridade. Reconheço. Nunca me disseram, todavia, que a revolução dispensava temeridades, mais ou menos insensatas. E se eles têm por si a idade e a experiência a dar-lhes autoridade no que dizem, eu tenho a juventude a desculpar-me o atrevimento de meter, assim, a colherada na discussão.

Uma das questões mais mal resolvidas, historicamente, pelo movimento revolucionário, é a da relação que lhe cumpre ter para com o aparelho de Estado burguês. O modelo democrático representativo cria, quando analisado superficialmente, uma ilusão em que muito facilmente, ao longo da história, os partidos do proletariado se deixaram cair: se a maioria dos votos significa o acesso ao Governo, e se o proletariado constitui a esmagadora maioria da população, por dedução, bastava que o proletariado votasse maciçamente no seu partido e ele ascenderia, pela via eleitoral, às cadeiras do poder. Lá chegado, entre portarias e decretos, leis ordinárias e leis orgânicas, e uma ou outra intervenção policial nos casos em que a burguesia se mostrasse recalcitrante, o socialismo seria legislado e regulamentado até ao seu último detalhe, bastando ao proletariado aguardar que ele lhe caísse no colo, vindo de um qualquer parlamento. Pela primeiríssima vez na história, conclui-se, um modo de produção sucederia a outro no término dos dias do vacatio legis.

Esta leitura ingénua seria absolutamente insustentável à luz dos clássicos do marxismo. Engels, autor da expressão "cretinismo parlamentar" (cujo significado dispensa esclarecimentos), qualificava o acesso ao sufrágio universal como a demonstração de que a burguesia considerava o proletariado suficientemente domado para poder estender a ele o direito de voto, sem temer que ele pusesse em causa a sua dominação. E mesmo quando, nos termos do mesmo Engels "o termómetro da luta de classes" chegou ao ponto de ebulição e, pelo voto, um Governo popular foi eleito, compreendeu-se com rigor o que queria dizer Marx quando se referia à "máquina do Estado" e ao "aparelho do Estado burguês": os órgãos repressivos do aparelho de Estado, em ostensiva indiferença perante a vontade popular, tripudiando da lei e da constituição (afinal de contas, nada mais que um papel pintado), arrancaram do poder os eleitos pelo povo e, quando viram necessidade disso, suspenderam a democracia e acabaram com a existência de eleições. Há apenas dois dias passaram 41 anos sobre a triste demonstração prática desta verdade, no Chile.

Lenine nunca se deixou arrastar – e durante toda a vida condenou sem restrições quem o consentiu – para a armadilha do parlamentarismo e do legalismo. Era absolutamente claro que o Estado burguês, inteiro, dos tribunais às cadeias, dos parlamentos à polícia, dos exércitos aos fiscais de alfândega e aos cobradores de impostos, era uma máquina infernal de legitimação e auxílio da exploração do proletariado pela burguesia. Não que rejeitasse intervir dentro desse aparelho de Estado, bem entendido: Lenine nunca rejeitaria nenhum instrumento que interessasse ao proletariado utilizar para avançar, fosse um quilómetro, fosse um milímetro, na luta pela liquidação do capitalismo. Fosse um assento parlamentar, um comité de soldados, um jornal, ou uma cátedra. A diferença, contudo, entre a utilização do aparelho de Estado e a confiança nele, era-lhe muitíssimo clara. E a ideia de se poder usar o aparelho de Estado burguês, após vitória eleitoral, a favor do proletariado, ter-lhe-ia soado ridícula, se não lhe valesse as invectivas desapiedadas que reservou para o renegado Kautsky. O Estado burguês podia ser, conjuntural, táctica, e até cinicamente, utilizado pelo partido do proletariado. Mas a função central deste, a sua razão de ser, o motivo da sua existência, era a organização do proletariado por forma que este pudesse dispor do seu aparelho de Estado proletário, incumbido de fazer a revolução e liquidar, nela, o aparelho de Estado burguês.

As tentações são, todavia, coisas muito fortes. E tornaram-se tanto mais fortes quanto foram criadas condições, no pós-guerra, que encaminhavam os partidos comunistas de determinados países para um beco sem saída onde só lhe sobrava disputar o Estado burguês, arrancar-lhe concessões, e tornar a luta do proletariado contra ele cada vez mais difícil. Progressivamente, as vitórias eleitorais tornaram-se o seu objectivo central, alimentadas pela crença em que, se tinham sido arrancadas tantas concessões até ali, a vitória eleitoral significaria o desmoronar do capitalismo. Esta regressão ideológica foi sobremaneira acentuada com a ascensão de Kruschev à liderança soviética e a aplicação da tese da coexistência pacífica entre países de sistema social diferente, devendo o socialismo conquistar "todo o mundo, pela via eleitoral, até ao ano 2000", nas palavras deste dirigente. Os líderes comunistas assim enredados na luta legalista e parlamentarista descreveram, em direcção ao eurocomunismo, o trajecto que, 50 anos antes, Lenine verificara ser o dos social-democratas às vésperas da I Guerra Mundial : "[o] carácter relativamente "pacífico" do período de 1871 a 1914 alimentou o oportunismo primeiro como estado de espírito, depois como tendência e finalmente como grupo ou camada da burocracia operária e dos companheiros de jornada pequeno- burgueses" (…) [u]m pequeno círculo da burocracia operária, da aristocracia operária e de companheiros de jornada pequeno – burgueses podem receber algumas migalhas dos grandes lucros da burguesia (…) [o] conteúdo político do oportunismo e do social-chauvinismo é o mesmo: a colaboração das classes, a renúncia à ditadura do proletariado, a renúncia às acções revolucionárias, o reconhecimento sem reservas da legalidade burguesa, a falta de confiança no proletariado, a confiança na burguesia". O grau de acerto das palavras utilizadas no início do séc. XX na caracterização do ocorrido 50 anos depois tem, com efeito, algo de assombroso.

O reposicionamento relativamente ao Estado, a recuperação da concepção do Estado como instrumento da classe dominante para legitimar e agilizar a exploração e opressão dos trabalhadores, adquirido fundamental do pensamento marxista e do pensamento leninista é, quanto a mim, o ponto essencial em torno do qual se deve organizar a luta contra o oportunismo e contra o revisionismo. Sobretudo quando esta confiança oportunista no Estado burguês assume dimensão nova e tamanho inesperado, por via de projectos "humanizadores" da União Europeia, de refundação do projecto europeu, de recondução da UE ao seu projecto inicial de solidariedade entre os povos (esta última uma mistificação histórica sem nome), que têm no Partido da Esquerda Europeia o seu principal promotor, se dissemina a cada dia que passa. Sem a cabal recuperação deste traço fundamental do pensamento marxista, a luta do proletariado fica indefinidamente entravada, é conduzida por vias erróneas, e tem uma derrota inevitável. A recuperação é, claro está, o estabelecimento de uma estratégia e de uma táctica para combater o Estado burguês. Porque de nada servem as armas da crítica sem a crítica das armas.

13/Setembro/2014
[*] 
João Vilela - Licenciado em História e mestre em História e Educação. O original encontra-se emconscienciavisceral.wordpress.com/...

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

3 de out. de 2014

Encerramento da campanha de Mauro Iasi tem ampla participação da juventude.

           A juventude, ontem, dia 02/10, participou ativamente com alunos da UERJ e convidados do último debate de campanha para presidente da república da candidatura de Mauro Iasi - PCB. A candidatura foi recebida calorosamente pela juventude que encheu o auditório 111 da universidade. Estiveram presentes cerca de 150 pessoas.


         Agradecemos a presença de todos e fica o convite para dia 08/10 às 18:00 no Hall do Queijo da UERJ, onde haverá uma apresentação da UJC para interessados. Quem for também poderá levar amigos e contatos interessados em construir a luta emancipatória da classe trabalhadora.


         A participação da juventude na campanha à presidência foi fundamental para levarmos às massas o programa da revolução socialista e do Poder Popular. Essa campanha mostrou que a esquerda combativa e revolucionária está disposta e ativamente lutando para construir uma verdadeira Frente de Esquerda, para além das eleições e das siglas registradas no TRE, que possa construir lutas no dia-a-dia rumo à vitória final da classe trabalhadora.
         Saudamos os candidatos à presidência de esquerda Rui Costa Pimenta, Luciana Genro e Zé Maria. Com orgulho não deixamos nem esquecemos de mencionar todos os candidatos da esquerda. Por fim, pedimos seu voto para Mauro Iasi, número eleitoral "21", lutando pelo Poder Popular e por um Brasil socialista.

1 de out. de 2014

Outubro… ou nada!

Mauro Luis Iasi
Uma família de nobres voltava a São Petersburgo com seus inúmeros filhos e malas volumosas. Havia se retirado em fevereiro para fugir dos acontecimentos trágicos que haviam derrubado o Czar e não havia acompanhado o desenvolvimento político que levara os trabalhadores ao poder em outubro. Pateticamente parada na plataforma e acostumada com um servilhismo milenar, esperava que algum carregador implorasse para levar as bagagens da família em troca de alguns míseros copeques.
Depois de esperar em vão por um bom tempo, um criado (nobres não se dignavam a falar com pobres) vai buscar informações e ouve a seguinte resposta: “agora somos livres, se quiser carregue suas malas”!
Era a grande revolução de Outubro que emergia lá de onde costuma vir as coisas dos explorados, da periferia, das sombras esquecidas sob a ofuscante aparência de riqueza das sociedades opulentas, dos cantos obscuros que o olhar hipócrita quer esquecer ou incorpora como normal. Em meio à tragédia da guerra, a barbárie em sua forma mais didática, a vida resistia e se levantava contra a fome e a morte.
A Revolução Russa marcou de forma definitiva a história do século XX em muitas áreas (ver a coletânea organizada por Milton Pinheiro – Outubro e as experiências socialistas do século XX  – Salvador: Quarteto, 2010), como acontecimento político, como experiência histórica de um Estado Proletário, como base de transformações econômicas fundadas na socialização dos meios de produção, nas práticas do planejamento, como influência política direta nos rumos do movimento comunista internacional e a formação de estratégias e táticas do movimento revolucionário mundial.
Não podemos esquecer sua importância no desenvolvimento da cultura (é só pensar em Vladimir Maiakoviski na poesia e Sergei Eisenstein para o cinema), o ulterior desenvolvimento da música (Prokofiev, Straviski) e dança, das ciências (Luria, Vigotski, Bakthin, e tantos outros), o desenvolvimento técnico e científico (Sakharov, Andréi Kolmogórov, etc.). No entanto, quisera me deter numa outra dimensão.
Certos acontecimentos históricos despertam algo um pouco mais intangível que suas manifestações econômicas, políticas, culturais e técnico-científicas. A revolução russa se espalhou pelo mundo, sem internet e televisão, numa velocidade que precisa ser compreendida. Não apenas se expandiu enquanto processo revolucionário que em menos de seis meses havia saído da Europa oriental e chegado ao mar do Japão, se alastrado como fogo em palha pelo antigo império czarista, como atravessou o oceano e incendiou o coração e as esperanças dos trabalhadores das partes mais distantes do globo.
Em uma foto de grevistas em um porto nos EUA na mesma época pode se ver ao fundo uma faixa na qual se lê: “façamos como nossos irmãos russos”. No Brasil as greves operárias se alastravam até a greve geral de 1917 e a Revolução russa foi saudada pelo movimento anarco-sindicalista como expressão da revolução libertária enquanto emissários eram mandados para lá para colher informações e prestar solidariedade. Poucos anos depois, nos anos vinte, quando o caráter marxista da experiência soviética se torna evidente, distanciando-se, portanto, dos princípios anarquistas, forma-se um movimento comunista que não tem paralelo com nenhum outro por sua escala mundial, sua forma de organização e sua ação.
Partidos Comunistas são formados em toda a América Latina, assim como em quase todos os mais distantes rincões do planeta, dos EUA até a China. Evidente que a formação da União Soviética e da III Internacional Comunista explicam a iniciativa e mais, a necessidade, de uma organização internacional, mas não sua aceitação e rápido desenvolvimento. Há elementos objetivos e subjetivos que precisam ser levados em conta.
Os objetivos são por demais conhecidos e podem ser resumidos na própria internacionalização do modo de produção capitalista e sua transformação em imperialismo, mas não podemos compreender a dimensão desse fenômeno sem entender que a revolução soviética foi um evento catalisador de esperanças de todos os explorados.
Como nos dizia Marx para que se forje uma classe revolucionária é necessário que se manifeste uma classe que se apresente como um entrave de caráter universal, ao mesmo tempo em que outra consiga expressar através de sua particularidade os contornos de uma emancipação universal. Falando da Alemanha, Marx afirmava que faltava: “grandeza de alma, que, por um momento apenas, os identificaria com a alma popular, a genialidade que instiga a força material ao poder político, a audácia revolucionária que arremessa ao adversário a frase provocadora: Nada sou e serei tudo.” (Marx, K. Crítica à filosofia do Direito de Hegel. São Paulo, Boitempo: 2005: 154).
Não se trata de nenhum deslize idealista, mas de exata combinação de fatores que dada certas condições materiais, que sem dúvida a guerra mundial propiciava, cria uma equação na qual uma classe encontra as condições de sua fusão enquanto classe. Imersa na cotidianidade reificadora, submetida às condições da exploração os trabalhadores vivem seu destino como uma condição inescapável. Ainda que submetidos as mesmas condições que seus companheiros, não vivem estas condições como base para uma consciência e ação comuns, mas como uma serialidade, nos termos de Sartre. A vida é assim e é impossível mudá-la.
Em certas condições, no entanto, se produz uma situação na qual a realidade se impõe de tal forma que se torna impossível manter a impossibilidade de mudá-la, nas palavras de Sartre: “A transformação tem, pois, lugar quando a impossibilidade é ela mesma impossível, ou se preferirem, quando um acontecimento sintético revela a impossibilidade de mudar como impossibilidade de viver” (Sartre, J. Crítica de la razón dialéctica. Buenos Aires: Losada, 1979, v. 2, p.14). O pensador francês tem em mente os acontecimentos da crise da monarquia absolta que levou a eclosão da Revolução Francesa, mas vemos claramente esses elementos na crise do czarismo nas condições da guerra.
Interessa-nos, no entanto, outra dimensão desse fenômeno. Da mesma forma que um acontecimento sintético pode levar à fusão da classe e a superação de sua situação de serialidade, encontrando na ação do grupo as condições para abrir a possibilidade de superar o campo prático inerte, devemos supor que uma ação particular da magnitude de um processo revolucionário como o russo, provoca um efeito sobre os trabalhadores, mesmo aqueles que não estavam envolvidos direta e presencialmente nos acontecimentos.
Ernesto Che Guevara denominava isso de “consciência da possibilidade da vitória” e inclui entre as condições objetivas que torna possível uma revolução. Quando os trabalhadores vêem os revolucionários russos varrerem seus tiranos, quebra-se a impressão de naturalização e inevitabilidade com as quais revestiam suas condições de existência. É possível mudar, nada somos, mas podemos ser tudo.
Em um belo poema soviético é descrita a cena na qual uma camponesa que agora tinha acesso aos museus e suas obras de arte se detêm diante de um quadro a admirá-lo. A autora do poema então conclui: “mal sabia que ali era uma obra de arte a admirar outra”. Operários assumem as fábricas, as terras são entregues aos comitês agrários para serem repartidas. Soldados, operários, camponeses, marinheiros, lotam os teatros antes privativos da nobreza russa, para ouvir Maiakóviski recitar os poemas que retira dos bolsos de seu enorme casaco e de seu coração ainda maior.
Suspendemos por um instante as enormes dificuldades que viriam, a guerra civil, o isolamento, a burocratização e a degeneração que culminaria no desfecho histórico de 1989. Naquele momento de maravilhoso caos, a vida fluía não como processo que aprisiona os seres humanos nas cadeias do estranhamento, mas como livre fluir de uma práxis transformadora. Tudo pode ser mudado. Podemos criar as crianças de uma nova forma, e já vemos Makarenko e seu enorme coração abrigando os órfãos da guerra e reinventando a pedagogia, trabalhadores organizando as comissões de fábrica e Alexandra Kollontai olhando o mundo com os olhos de mulheres emancipadas.
Enquanto o mundo capitalista preparava-se para esmagar a experiência revolucionária russa (a república dos trabalhadores seria atacada em 1918 por dez potências estrangeiras), o generoso coração da classe trabalhadora acolhe esta experiência como sua e a defende, sem conhecê-la profundamente, sem que a compreenda de todo, mas por que nela se reconhece.
Paz, terra, pão e sonhos voavam pelo mundo que o capital havia tornado um só e mãos calejadas, duras como a terra que trabalham, os seguram e se alimentam da esperança dos que se levantaram contra seus opressores. Corpos exauridos pela chacina diária das fábricas caminham pelas ruas e olham em frente, levantam seus punhos e cantam a canção que os unia: se nada somos em tal mundo, sejamos tudo, ó produtores!
Em tempos como os nossos, de hipocrisia deliberada, em tempos de humanidade desumanizada, de cotidianidade reificada, a consciência da possibilidade da vitória se reverte em seu contrário e se manifesta novamente como uma consciência da impossibilidade da mudança. Brecht nos alerta: nada deve parecer natural, porque nada deve parecer impossível de mudar e completa em outro poema: até quando o mundo será governado por tiranos? Até quando iremos suportá-los?
Presos à nova serialidade, fragmentados e divididos, submetidos às novas cadeias de impossibilidades, escolhendo a cada quatro anos quem irá comandar sua exploração, nossa classe nem se lembra que teve um outubro e que fizemos a terra tremer e que os poderosos perderam o sono diante da iminência de seu juízo final.
Diante da realidade do capital internacional que ameaça a humanidade, diante da barbárie diária que ameaça minha classe, gestam-se novas impossibilidades de manter os limites do possível, crises didáticas transformam em pó certezas neo e pós liberais arcaicos/modernos e suas irracionalidades racionais. O pólo da negatividade humana se reapresenta arrogante e prepotente. Muitos são os que se levantam ainda sem rumo, não importa, que se levantem e gritem, resistam e lutem. Mas, em sua marcha olhando para o futuro, resistindo contra as mazelas do presente desumano do capital, olhem por um momento para trás, vejam como já marchavam à nossa frente nossos camaradas russos, vejam como iam decididos e corajosos abrindo caminho em direção ao amanhã.
Marchemos para frente, tiremos nossa poesia do futuro, basta de anacronias e cópias do passado, mas não nos esqueçamos nunca que tivemos um Outubro, e foi nosso, e foi um grande Outubro vermelho e proletário, e foi tão grande que foi planetário, e foi tão generoso e fraterno que nele se irmaram todos os trabalhadores do mundo e chegaram a acreditar que tudo podia mudar e, por um momento, mudaram tudo que podiam.
Viva a revolução Soviética de 1917. Outubro… ou nada!